Partilha

Quando o vi pela primeira vez consegui ver tudo de uma forma muito clara. Um homem bonito, com inteligência de sobra, uma presença forte por fora que esconde uma enorme fragilidade e muitas coisas por resolver por dentro. A sua estatura alta era um trunfo, saído na lotaria natural, que ajudava na sua tentativa de não deixar que os outros se aproximassem. Troquei algumas palavras fugazes com ele, teríamos oportunidade de estar próximos nos dias seguintes... Estava mesmo curiosa, ansiosa por saber o efeito que aqueles dias iam ter numa pessoa como ele!
No meio de todas aquelas pessoas não foi possível falar com ele, nem pelo acaso, mas consegui observar a sua evolução. Foi perdendo o seu ar mais rígido, foi desfiando as palavras, as histórias, as memórias. Também não conseguiu segurar as lágrimas nos momentos mais altos de partilha.
Quase no final, no jogo, desafiadora como sou, enfrentei-o e disse que queria um abraço. Para minha surpresa, não pediu as possibilidades mais distantes, as de menos contacto, de menor partilha... Pediu também o abraço.
-"Durante a tarde fugiste, não quiseste participar! E era contigo que eu ia falar..." disse-lhe eu.
Ao que ele me respondeu
-"Por isso mesmo é que eu fugi".
Eu sabia que o que me dizia era sincero. Fugiu para se proteger. Não aguentou ouvir dos outros o que ele tão bem sabe. Acabou por mostar a sua fragilidade.
Num puro abraço senti o cubo de gelo a derreter. Naquele abraço eu sabia que estava para dar, não para receber. Senti o que estava a acontecer. A necessidade. A energia. A troca.
Ele, bem mais velho do que eu e tão grande que eu até tive dificuldade em chegar, parecia naquele momento um menino pequenino. E esse menino em cada abraço que conseguiu pedir recebeu milhares de abraços.
Passados uns dias...
-"Como é que ele está?" quis saber.
-"Está muito mais carinhoso, muito mais próximo das pessoas, está diferente..."
Enquanto a voz da minha irmã me chegava pelo telemóvel eu só consegui sorrir e agradecer por todos os momentos de partilha.

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