Dádiva

Subiste e chegaste ao cume da montanha mais alta. Nem tu sabias ser capaz disso. Foi uma escalada arriscada, uma escalada ao ponto mais alto de tudo o que tu és. Deve ter sido longa a espera... A incerteza ao sabor do vento, a dúvida gota a gota, de chuva. Querias olhar-te de frente. Querias separar, querias unir. Querias sentir marcas do tempo, marcas da vida. Querias ver sinais. Querias ouvir o teu silêncio... Ali.
O chamamento foi feito, não sei bem por quem, mas ecoou nas montanhas, no meio do nevoeiro. Não havia outro final para aquele apelo. Não havia nada, nem nenhuma tempestade, que pudesse travar a força daquela vontade. A correr contra o tempo, a tentar organizar ideias, a tua resposta surgiu em silêncio, do nada, no meio da bruma. Fez o caminho de olhos fechados, confiante nos seus sentidos. Chegou sem medo, em paz, humildemente, envolvida em sentimentos, envolvida em tons de azul, naquele dia cinzento.
Naquele dia, naquela hora, não havia outro sítio para estar. A linha estava marcada há muito tempo. Mesmo assim, o planeado, o certo, o risco traçado tornou-se inesperado, tornou-se surpresa.
Instantes de procura, de entrega. Num silêncio que se ouviu. As mãos estavam mesmo lá, ainda que custasse a acreditar. Talvez achasses que em toda a tua vida não fosse possível. Que ninguém faria isso. Que ninguém te visse daquela forma. Que ninguém estivesse lá no cimo para receber o melhor de ti, para receber essa dádiva. Que ninguém quisesse ver-te assim de braços abertos. Sonhaste muito alto, e de tão alto que era e de tão difícil que era chegar, nem tu acreditaste que bastava querer. Quando se acredita tudo é possível. E foi.
O silêncio saiu de ti, olhou-te de fora para gravar aquele momento, sorriu-te pela última vez e... dissipou-se no meio do nevoeiro.

1 Vizinho(s) mais amarelo(s):

m.a.r.o. disse...

Percebo-te tão bem, tão bem... nem imaginas :)