Cara de quê?

O meu pai tem o humor à flor da pele. Tem graça nas palavras e nos gestos.
Faz-me rir com anedotas procuradas na net pra me dizer à sexta quando regresso a casa, com as piadas que conta nos convívios de família, com as graças que diz nos seus discursos, com o seu jeito para o teatro e com as coisas que vai dizendo no dia a dia. Tem o dom da palavra e a capacidade de fazer rir os outros.
Na semana passada fui ao médico e, apesar de eu ter dito (várias vezes) que não queria que ele fosse, ele fez questão de percorrer quilómetros para estar lá. Sei que o fez para eu esquecer o medo que tinha. O meu pai é mesmo assim!
Estivemos horas à espera, à seca, até eu entrar no consultório. Sentada no corredor contava os minutos que iam passando. Comecei a olhar pra quantidade de pessoas que, tal como eu, esperava pela sua vez. Então, para afastar a minha ansiedade, perguntei ao meu pai: aquele tem cara de quê?
Esta brincadeira é comum entre nós. Basta estar num shopping, numa fila de espera, num jantar, ou mesmo a passear na rua e a ideia é tentar adivinhar o que faz a pessoa que vai a passar. Pode parecer estúpido, mas torna-se realmente divertido quando se tem ao nosso lado alguém com a imaginação como a do meu pai! Já ouvi as coisas mais incríveis! “Aquela senhora trabalha numa fábrica de botões, é a que está na máquina de fazer os quatro buraquinhos; aquele senhor desentope canos e faz vários trabalhos de pichelaria; aquele é reformado da CP, carregava os sacos do carvão; aquela senhora colecciona borboletas, tem dois cãezinhos e faz tricot; esta é depenadora de frangos; esta médica nos tempos livres faz arranjos florais, tem muito jeitinho de mãos!”
E o curioso é que aquelas pessoas têm mesmo cara daquilo!
O meu pai nunca me disse: aquele tem cara de cu… mas não me surpreendia se o fizesse.